22 de dezembro de 2024

Paz global também é uma questão de ciência

Brasil 16/05/2024 11:14

O professor emérito da Universidade de Ohio (EUA) Rattan Lal afirmou que as guerras têm causado grandes prejuízos aos solos mundiais. “Precisamos falar mais sobre isso. A paz global também é uma questão de ciência”, defendeu o pesquisador hindu-americano, que conquistou o Nobel da Paz em 2007 por sua participação no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Lal e o pesquisador da Embrapa Instrumentação Ladislau Martin Neto participaram do painel “Ciência e Agricultura” durante a reunião do G20 coordenada pela Embrapa, em Brasília, no período de 15 a 17 de maio.

Segundo o Nobel da Paz, uma guerra envolve duas partes: os países e o solo que lutam para conquistar. Além das pessoas, o solo também sofre, mas silenciosamente. Torna-se poluído, contaminado, com crateras, compactado e a biodiversidade destruída. A recuperação leva gerações. “Ninguém tem o direito de destruir o solo. Deve ser declarada uma moratória sobre os crimes contra a natureza e a prioridade máxima é restaurar a saúde do solo”, enfatizou.

Em relação à segurança alimentar global, o professor pontuou que o maior problema não é a produção de alimentos, que cresceu seis vezes nas últimas décadas, mas sim a sua distribuição. “A África tem uma população muito menor que a da Índia, 200 milhões de habitantes. Entretanto, gasta anualmente US$ 60 bilhões na importação de alimentos”, observou, lembrando que uma das prioridades do G20 deve ser voltada ao desenvolvimento de ações de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para mudar esse cenário. “A África tem os recursos naturais necessários para ser o próximo celeiro do mundo. A estratégia consiste em traduzir em ação a ciência comprovada da gestão agronómica do solo, a partir da força de vontade política”, complementou.

Durante a sua apresentação no evento, Lal destacou que, atualmente, 38% da superfície terrestre da Terra (5 bilhões de hectares) são usados para a agricultura, 75% são destinados à criação de animais, 70% das captações globais de água doce (3.150 Km3) são usadas para irrigação, e cerca de 35% das emissões globais de gases de efeito de estufa (GEE) são provenientes da agricultura. “Ainda assim, uma em cada oito pessoas sofre de insegurança alimentar e de duas a três estão desnutridas”, acrescentou.

Para ele, os sistemas alimentares e a produção agrícola devem ser a solução para o aquecimento global e outras questões ambientais, ao mesmo tempo que promovem a segurança alimentar e nutricional e os ODS da Agenda 2030 da ONU. A revolução agrícola do Século XXI está baseada em três pilares: resiliência do solo, eficiência ecológica e no conhecimento científico orientado para gestão da agropecuária mundial.

Lal explicou que o solo, como entidade dinâmica e biologicamente ativa, tem capacidade de sustentar múltiplos serviços ecossistêmicos o que é fundamental para o bem-estar humano e a conservação dos recursos naturais.

Combate à fome requer redução do desperdício de alimentos

Em relação à segurança alimentar, o professor defende que o mundo produz alimentos suficientes para alimentar 10 bilhões de pessoas. “Para alcançar a segurança alimentar e nutricional, é fundamental reduzir de 30 a 50% o desperdício de alimentos, aumentar o acesso aos alimentos, combatendo a pobreza, a desigualdade, as guerras e a instabilidade política, além de melhorar a distribuição”, salientou.

Lal lembrou ainda a importância de aumentar a produtividade agronómica das terras existentes, restaurar terras degradadas, melhorar a fixação biológica de nitrogênio (FBN) em leguminosas e converter algumas terras agrícolas para a em sistemas sustentáveis.

Como futuras políticas para a agricultura global até 2030, ele apontou: redução no uso de pesticidas e fertilizantes, aumento da eficiência no uso da água e devolução de terras marginais à natureza. Em relação à descarbonização, o pesquisador enfatizou que o crédito de carbono deve ser incentivado como fonte de renda alternativa para ao agricultores, podendo chegar a US$50 por crédito.

Os fundos necessários nesse sentido são de US$ 100 bilhões por ano, sendo US$ 70 bilhões para pequenas propriedades e US$ 30 bilhões para outras fazendas. Esses recursos, na opinião de Lal, podem vir de países exportadores de combustíveis fósseis, agroindústrias, setor privado e consumidores.

Ciência aponta caminhos para a segurança alimentar

No mesmo painel, o pesquisador da Embrapa Instrumentação (SP) Ladislau Martin Neto falou que o desafio global da segurança alimentar no Planeta, que usa de forma acelerada os recursos naturais e sofre com os impactos das mudanças climáticas, deve mobilizar cientistas nos diversos continentes.

Martin Neto apresentou às delegações do G20 a transformação agrícola do Brasil nas últimas cinco décadas, que permitiu ao País saltar de importador de alimentos na década de 1970, para um dos maiores players em inovação agrícola tropical. “Esse é um resultado construído pela pesquisa, com a participação decisiva dos produtores rurais, de políticas públicas, do cooperativismo e outras formas de associativismo”, frisou.

O pesquisador apontou como desafios atuais o aumento de produtividade, associado à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), qualidade e segurança dos alimentos, do ponto de vista nutricional, em um mundo desafiado também pelas zoonoses.

“A biotecnologia avançada, os bioinsumos, a inteligência artificial, as tecnologias digitais disruptivas, a automação, a fotônica, a nanotecnologia, entre outros, já estão presentes nas pesquisas e deverão contribuir ainda mais nas próximas décadas para o cenário apresentado”, observou.

Martin Neto recomendou ainda o aumento de agendas de cooperação científica e de inovação entre os países do G20 e de todo o Planeta para superar os imensos desafios da segurança alimentar global. Alguns temas relevantes nesse sentido são: a mitigação e adaptação às alterações climáticas globais, zoonoses, segurança alimentar, tecnologias avançadas (TI, IA, biotecnologia e nanotecnologia), e o melhoramento genético preventivo para antecipação de novas doenças e pragas de plantas.

Segundo o pesquisador, os desafios relacionados à segurança alimentar global, que é a prioridade máxima da humanidade, no que se refere à produção de alimentos serão maiores do que no passado, o que exigirá novas abordagens e ferramentas científicas para o desenvolvimento de soluções sustentáveis inovadoras. No caso da agricultura familiar, essas soluções estão pautadas em transferência de tecnologia, extensão rural, créditos, associações de agricultores, e cooperativas para aumentar o acesso a soluções tecnológicas inovadoras.

“O papel da pesquisa agrícola pública é muito necessário, especialmente devido à mitigação e adaptação às alterações climáticas. Portanto, o aumento dos investimentos públicos é fundamental”, reforçou Martin Neto. Paralelamente, devem ser envidados esforços em melhorias na gestão administrativa, modelos de parcerias público-privadas, inovação aberta, cooperação internacional em consórcios e modelos multiusuários.


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