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07 de novembro de 2025

Especialistas criticam retórica de governadores sobre combate ao crime

Politica lula e bosonaro 03/11/2025 08:06

Governadores de direita se alinharam ao governador do estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, na política adotada por ele de enfrentamento ao tráfico de drogas. A última operação deixou 121 mortos, sendo quatro policiais.

Conflitos não são administrados apenas com tiros de fuzil, mas também com discursos políticos. Em paralelo às operações policiais nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, governadores alinhados ao chefe da administração fluminense, Cláudio Castro, criaram o “Consórcio da Paz”, projeto de integração para combater o crime organizado no país.

 

O sociólogo Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), critica o termo. Para ele, trata-se de uma estratégia discursiva que inverte o significado real da operação que deixou 121 mortos.

“Os governadores erraram no nome. Deveria se chamar Consórcio da Morte, porque é isso que eles estão propondo. Certamente não é a paz”, diz Cano. “Retoricamente, não vai pegar bem e, cada vez que usarem o termo, vão ser lembrados da quantidade de mortes que os seus governos produzem. A maioria dos governadores de direita estão promovendo a letalidade policial”. 

Sete governadores integram o “Consórcio da Paz”. Além de Castro, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina; Eduardo Riedel (Progressistas), do Mato Grosso do Sul; Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás; e Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal.

“Narcoterrorismo”

Sociólogos, cientistas políticos e especialistas em segurança pública ouvidos pela Agência Brasil analisaram o vocabulário adotado pelas autoridades nos últimos discursos. E apontaram para os usos políticos e simbólicos dos termos relacionados à operação mais letal já registrada no Brasil.

Entre as palavras recorrentes, está “narcoterrorismo”. Ele foi usado por Castro, Tarcísio e Zema para se referir às facções criminosas, principalmente as maiores que tem Rio de Janeiro e São Paulo como centros de poder.

 

“Isso é mais uma bobagem que atrapalha a polícia, a segurança pública, a sociedade e o próprio governo. Da mesma forma como usam ‘narcomilícia’ e outras categorias mais antigas como ‘Estado paralelo’. Isso, na verdade, oculta incompetências, incapacidades e oportunismos políticos”, diz Jacqueline Muniz, antropóloga e cientista política, professora do departamento de segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF).

“Quando você diz que está diante de um narcoterrorismo, você está dizendo que precisa de mais poder, mais dinheiro, mais orçamento e que não precisa dar satisfação do que vai fazer”, complementa.

Para Ignacio Cano, o termo é errado também do ponto de vista conceitual. “Terrorismo normalmente é associado a objetivos políticos. É o uso indiscriminado da violência contra civis para perseguir esses objetivos. Um narcoterrorista não teria nenhuma motivação política. O objetivo é o mesmo de todo criminoso, que é o lucro. O termo é uma contradição em si mesmo”, explica o sociólogo.No Brasil, a Lei n° 13.260, de 2016, define que: “terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.

 

Facções de tráfico de drogas são classificadas pela legislação brasileira como organizações criminosas. E é dessa forma que o governo federal, especialmente o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, tem se posicionado.

Um grupo de deputados está tentando mudar isso por meio do Projeto de Lei 724/25, que amplia o conceito de terrorismo para incluir o tráfico de drogas ilícitas. O projeto é de autoria do deputado Coronel Meira (PL-PE) e foi aprovado há algumas semanas na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados.

Ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), antes de ser votado pelo Plenário da Câmara. Para virar lei, precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Pressão internacional

Esse entendimento tem recebido pressão internacional de políticos de direita. Os governos de Javier Milei, na Argentina, e Santiago Peña, no Paraguai, classificaram recentemente as organizações criminosas PCC (Primeiro Comando da Capital) e Comando Vermelho (CV) como terroristas. Os Estados Unidos sugeriram que o Brasil fizesse o mesmo em visita da comitiva norte-americana ao país em maio deste ano.

Os especialistas em segurança pública entendem que a pressão de governadores no Brasil pelo uso de “narcoterrorista” é uma forma de alinhamento político com essas forças externas. Dessa forma, o debate é transferido do campo policial para o geopolítico. Para eles, o termo, se adotado no país, fragilizaria a democracia e aumentaria o risco de interferências internacionais.

“Uma forma de os Estados Unidos intervirem de forma mais efetiva no nosso território é justamente apelar para o que os norte-americanos temem historicamente, principalmente depois do 11 de setembro, que é a questão do terrorismo”, diz Jonas Pacheco, coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança.

“É um discurso que trata de uma questão de dominação da América Latina. Os países que têm grupos classificados como terroristas claramente não são alinhados ideologicamente com o governo Trump”,